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Por Julián Schvindlerman

  

Julián Schvindlerman interpreta relações entre Vaticano e Israel – 06/12

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Entrevista publicada en Visão Judaica (Curitiba – Brasil)
Por Antônio Carlos Coelho*

As relações entre Vaticano e Israel parecem ser complicadas. Quase sempre são surpreendentes. Ou, por serem negativas ao ponto de vista judaico, noutras, muito estimuladoras. O que rege essa relação? O que fez com que o Estado católico esperasse 45 anos para reconhecer formalmente o Estado de Israel e instalar sua sede diplomática no país somente em 1994, embora tenha sido favorável à criação de Israel antes mesmo da sua independência?

Questões como estas foram tratadas com a autoridade de quem conhece a fundo. Na noite de 14 de junho, no
Centro Israelita do Paraná, por Julián Schvindlerman, professor no Centro de Estudos de Religião, Estado e Sociedade (CERES) do Seminário Rabínico Latino Americano Marshall T. Meyer e colunista do jornal Comunidades e da Rádio Chai, Argentina.

Julián trata desses assuntos com isenção. Expõe um tema complicado, que facilmente poderia ferir sensibilidades, com muita sabedoria. Isso está registrado em seu último livro “Roma y Jerusalem – la política vaticana hacia el estado judío”, publicado do pela Editora Debate (Argentina) em 2010. Nele mostra a complexidade de uma relação que perdura por dois mil anos, e que tem por substrato a trágica relação entre judeus e cristãos, dois povos que reconhecem seus laços espirituais comuns e que, mesmo assim, mantêm justificados resquícios de amargura.

A relação Vaticano–Israel não é para amadores. São poucos os que podem compreendê-la e interpretá-la à luz da ciência política. Talvez, difícil até mesmo para os experientes diplomatas israelenses e os chefiados pelo arcebispo Giovanni Lajolo, presidente da Pontifícia Comissão para o Estado da Cidade do Vaticano.

O Vaticano é um Estado como qualquer outro da Europa ou da América. Mas, ao mesmo tempo é a sede papal,
isto é, “capital” da Igreja Católica. Portanto, só por esta condição as relações envolvem aspectos muitas vezes opostos: interesses temporais e interesses espirituais, fatalmente são conflitantes.

Não é por acaso que fatos puramente humanos, cheios de malícia política, quando ocorridos no Vaticano, escandalizem a tantos. Espera-se do Estado do Papa a prática da moral da Igreja e não a omissão diante de necessidades humanas de maior relevância. Espera-se que da Praça São Pedro ecoe a voz profética – forte como um trovão, como a que saía da boca dos profetas bíblicos, que condene os regimes ditatoriais, os massacres de cristãos pelos muçulmanos e outros tantos barbarismos do mundo. No entanto, o que temos, muitas vezes, é o silêncio, ou um discurso vago que se traduz em omissão.

As relações com Israel contemplam questões antigas, que ainda sobrevivem ao tempo na cultura cristã. Além disto, exigem cuidados com as comunidades católicas em países islâmicos. Assim se explica a demora do Vaticano em reconhecer oficialmente o Estado de Israel. O país católico jamais deixou de reconhecer o direito do povo judeu a ter seu Estado independente. Foi favorável, mesmo como Estado observador da ONU, a criação de Israel e sempre manteve relações informais com Israel. Mas, o temor aos efeitos de um reconhecimento formal ao país judeu, pelo que isto pudesse refletir nas comunidades católicas em países árabes, aguardou um momento propício. Foram os ataques de Sadam Hussein a Israel durante a Guerra do Golfo e o Acordo de Oslo, em 1993, que encorajaram o Vaticano instalar sua embaixada em Israel.

Julián Schvindlerman, em sua palestra, bem como em seu livro, fez uma retrospectiva das relações entre judeus e católicos. Destacou o papel dos últimos papas nas relações judaico-católicas e Vaticano–Israel. Chamou a atenção aos gestos positivos do Papa João XXIII durante o Concílio Vaticano II. Valorizou a fidelidade – que caracterizou, também, como algo pessoal– do Papa João Paulo II na relação com judeus, aos erros da história, aos perdidos na Shoá. Lembrou das posições de Bento XVI em favor do diálogo com o judaísmo e sua coerência com os atos de seu antecessor. Julián, não deixou de lembrar o silêncio, ou as referências veladas de Pio XII em relação à morte de judeus, embora, este tenha ordenado a proteção de centenas dentro de conventos em diferentes países ocupados pelos nazistas.

Julián falou como quem conhece. Falou com isenção, expôs verdades, consertou erros de interpretação, trouxe uma luz sobre um tema marcado por uma história trágica. Não encobriu erros da Igreja e do Vaticano no trato com os judeus e com Israel. Mostrou, com profundidade, as implicações da diplomacia entre estados que, apesar de estabelecerem protocolos formais, isentos de memórias do passado, não conseguem se livrar do peso das suas origens bíblicas e do dever de guardarem os valores morais proclamados ao longo dos séculos.


* Antônio Carlos Coelho é professor universitário, escritor, diretor do Instituto de Ciência e Fé e colaborador do jornal Visão Judaica.